Não acho que exista uma resposta definitiva para essa pergunta, pois há razões que a própria razão desconhece. Mas, na minha visão, um dos fatores é que esse foi um dos poucos cursos que conseguiu repassar a inflação ao longo dos anos para o valor de sua mensalidade. Simples assim. Essa é uma tese que venho desenvolvendo há algum tempo e que consegui comprovar com a ajuda do time de dados da Quero Educação.
Eles criaram uma base de dados belíssima, reunindo as mensalidades médias de diversos cursos desde 2012. Um trabalho incrível de mineração, pelo qual sou muito grato, que mostra um pouco dessa dinâmica. Em 2012, a mensalidade de um curso de Direito era, em média, 9 vezes mais baixa do que em 2024. Em 12 anos, essa relação passou para 19 vezes.
Se tivesse sido apenas corrigida pelo IPCA, a relação se manteria próxima aos 9x. Já a Medicina, na contramão, cresceu até mesmo um pouco acima do IPCA no período.

Os dados de todos os demais cursos foram extraídos pela Quero. Os de Medicina, eu mesmo consolidei, e podem ser um pouco menos precisos. Ainda assim, eles corroboram a análise geral. Em 2012, um curso presencial de Administração custava 11 vezes menos que um de Medicina; em 2024, passou para 26 vezes menos. Ou seja, Administração não só deixou de repassar a inflação no período, como efetivamente ficou mais barata com o passar dos anos.

A Engenharia também perdeu valor relativo, embora ainda mantenha um ticket 48% maior que o de Direito, preservando parte do valor de sua mensalidade.

Já Arquitetura e Urbanismo talvez tenha sido o curso que menos perdeu valor em relação à Medicina. Outros cursos como Odonto (era 6x menor e hoje é 9x), Med. Vet (5x e agora 10x) tambem aumentaram a sua distância da medicina.

Ao longo dos últimos 20 anos, temos alertado o mercado para os riscos da concorrência predatória e da “comoditização” no marketing, que pode esvaziar a percepção de valor das marcas e dos produtos. Uma das consequências disso aparece justamente quando comparamos os cursos com Medicina. E, agora, parece que esse mesmo fenômeno começa a ocorrer na própria Medicina. Com a abertura de novas faculdades, a demanda que estava reprimida foi atendida, cumprindo um papel social importante para o Brasil. Porém, já temos vagas suficientes no sistema para, em um futuro próximo, estarmos entre as nações líderes na relação de médicos por 1000 habitantes.
Em 7 ou 8 anos, poderemos chegar ao marco de um milhão de médicos, e esse número seguirá crescendo organicamente por décadas.
A aprovação irrefletida de novas faculdades de Medicina só tende a gerar mais guerra de preços entre instituições menos preparadas, levando-as ao mesmo processo de desvalorização de mensalidades que atingiu outros cursos superiores.
O resultado disso é o mesmo que vemos hoje em diversas áreas: a perda de valor e a inevitável queda na percepção de qualidade que o mercado tem sobre esses cursos, uma corrida de otimização de custos com riscos a precarização do ensino.