Semana passada interagi com o Daniel Tanigushi sobre as questões referentes as hard news da educação médica e nos provocamos a escrever sobre o tema. Afinal foi uma semana de decisões importantes e de um feixe de luz entrando pela fresta da janela e mostrando alguns contornos que até então estavam apagados. Gerando uma barulheira desproporcional. Então seguindo o estilo aqui da newsletter juntei alguns dados pra tentar concluir alguma coisa no meio de tanto burburínho.
A questão da densidade demográfica é crítica, como a gente vem falando, e vai orientar as novas diretrizes da expansão da medicina.
Agora o COMO precisa ser bem estudado porque existem duas perspectivas importantes que apontam pra mesma direção: a regional (S, SE, NE, N e CO) e a de Maiores e Menores cidades que – como demonstrarei abaixo – acho mais relevante.
Não podemos ficar alheios ao fato de que, ainda que a razão absoluta de médicos por mil habitantes não esteja muito distante da população de países desenvolvidos (com seus 2,6 médicos por mil habitantes o Brasil está à frente de países como Coréia do Sul, México e China) as distorções são brutais. Se observarmos 30% da população reside em cidades com menos de 50 mil habitantes. Nelas a relação de médicos por mil habitantes é de 1,41.
Se as DEZENAS DE MILHÕES de brasileiros que residem nessas pequenas cidades fossem um país seriam pior desassistidos somente pela Índia, África do Sul e Indonésia.
Somente esses países tem uma relação mais baixa de médicos por mil habitantes. Usar a expressão BELÍNDIA é bastante correto para analisarmos a desigualdade de médicos por mil habitantes. Para o terço de habitantes que reside nas maiores cidades (aquelas com mais de 500 mil pessoas) essa relação é de 5,31. Se esses 68 milhões de brasileiros fossem um país seriam o 3º mais bem assistido do mundo.
Isso olhando pra grandes populações. Se olharmos na lupa Vitória no ES tem 14 médicos por mil. E olhando para médicos de maneira geral. Quando subimos o olho pras especialidades o problema é gravíssimo. Coisa de apenas 83 pediatras no Amapá, 14 psiquiatras em Alagoas, 24 cardiologistas no Acre e 8 geriatras pra todo o Amazonas.
E a distribuição das vagas atuais somente perpetua esse abismo. Se olharmos friamente o Sudeste possui 42% da população e 46% das vagas de medicina e o Nordeste 28% da população e 24% das vagas.
Os números nem são tão gritantes vendo percentualmente.
Cada 1%, no entanto, são 378 vagas. O Sudeste está 3026 vagas distante do Nordeste. Tomando como média 105 vagas por faculdade no Brasil o Nordeste esta umas 30 faculdades atrás do sudeste nessa relação.
Ainda que essa relação seja especialmente disfuncional nesse comparativo o problema central reside mesmo na fundamental interiorização da medicina.
Se analisarmos capitais e interiores temos 23% da população nas capitais e 37% das vagas (77% no interior e 63% das vagas). Nesse caso a diferença de 29 pontos equivaleriam a um déficit de mais de 100 faculdades de medicina.
Agora o caminho é deixar a mão livre do mercado seguir seu rumo?
Não tenho a resposta mas nós já vimos esse filme (com a superpopulação de cursos de direito e engenharia por exemplo) e as consequências disso para o mercado (mais acesso a profissionais e queda no preço das mensalidades). Estudar direito em uma grande universidade hoje custa “R$ 299,00 no primeiro semestre + 50% de desconto durante o curso”. O impacto da super oferta no ticket a gente já sabe.
Fala-se que a base instalada atual nos levará a uma relação de 6,1 médicos por mil habitantes já em 2035 nos tornando líderes globais da relação médico / 1000 (iguais a Grécia atualmente). Essa relação contem a armadilha de se imaginar que exista uma moratória de vagas em outros países. Não é assim. Os EUA possuíam 813 mil médicos em 2000 e 1.085M quinze anos depois.
Atualmente temos 205 faculdades com liminares. Seriam mais 21700 vagas e um crescimento de quase 50% no mercado.
Passaríamos a ingressar todos os anos 70 mil calouros de medicina e esse deixaria a 9ª posição para se tornar o 4º curso superior mais procurado do pais. Ato continuo se agravaria muito mais o déficit de vagas de residência no Brasil e o valor dos plantões cairía pro seu menor histórico em função do crescimento da oferta de médicos.
Basta observar que enquanto o numero de escolas explode o numero de hospitais cresce de maneira orgânica, 4%, e o de leitos CAI 2% (isso mesmo com uma pandemia que de tantas mortes baixou em 4,4 anos a expectativa de vida dos Brasileiros).
A população de 65 mil expatriados brasileiros que atribuidamente estudam medicina nos países vizinhos deverá reduzir drasticamente e em algum momento essa deverá deixar de ser uma alternativa atraente para os brasileiros.
As provas de Revalida deverão se esvaziar como reflexo dessa expansão. Dependendo de como se der esse crescimento deverá haver uma redução da mobilidade de estudantes de medicina pelo país que seguirá concentrada nas universidades públicas gerando impactos nas economias dos municipios. Segundo estudo recente 2,5 milhões de estudantes migram decidade para morar perto da universidade, por ano, no Brasil. Muitos mudam-se para
Virá a ociosidade de vagas e a necessária redução de custos para melhoria da competitividade. Tudo o que nós já vivemos em outras áreas e para o que precisamos nos preparar. O problema é complexo e não existem soluções simples.